Ítalo do Couto
Mantovani*
Com a alternância democrática do
poder neste início de ano (2023), deixaram seus cargos o Ministro de Estado da
Justiça e Segurança Pública (MJSP), o Secretário Nacional de Segurança Pública
(Senasp) e a Secretária de Gestão e Ensino em Segurança Pública (Segen). Gestão
que merece destaque na criação, edição e lançamento da Revista do Sistema Único
de Segurança Pública, fomentando o debate acadêmico, em torno das políticas
públicas no campo da Segurança, algo até então nunca feito para o tema.
A Revista é uma publicação
semestral, de maneira interdisciplinar que se dedica à disseminação do
conhecimento científico, técnico e profissional na área da Segurança. Desse
modo, o periódico tenta contribuir com a ampliação e consolidação de boas
práticas e o compartilhamento das experiências da Segurança Pública para o
Brasil todo. Analisando até então as duas edições publicadas é fácil concluir
que somos um país violento. Nossas taxas anuais de homicídio frequentemente
ocupam posições de destaque em rankings mundiais. Esse campo é amplamente
debatido por aqueles que se dedicam a estudar as instituições de segurança
pública. Nessa perspectiva, existem inúmeras propostas comprometidas com a
reversão desse quadro. Em contrapartida, menos atenção tem sido dispensada a
temas como a saúde física e mental desses profissionais.
Um estudo realizado pelo Núcleo de
Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) aplicou 224
questionários e, em seguida, realizou 211 entrevistas com policiais que
responderam ao questionário. Os policiais foram classificados em três categorias:
os que haviam tentado suicídio (10% dos casos válidos), os que haviam pensado
em suicídio (22% dos casos válidos) e o grupo controle, ou seja, policiais que
não haviam pensado, nem tentado suicídio (68% dos casos válidos). Em São Paulo,
foram analisados 53 suicídios ocorridos entre 2017 e 2018, sendo 36 deles na
polícia militar e 17 na polícia civil. É preciso considerar que o efetivo da
polícia civil é expressivamente inferior ao da polícia militar. A taxa de
suicídio entre policiais civis foi de 30,3 e 21,7 entre policiais militares, o
que torna o suicídio um problema ainda mais grave na polícia civil paulista. No
contexto paulista identifica-se que por vezes a transferência de unidade ocorre
sem a concordância ou aviso prévio ao policial, prática comumente utilizada,
pode gerar uma série de problemas, como de ordem financeira, quando o novo
posto de serviço não possibilita conciliar com os trabalhos extras realizados
por esse policial ou quando o deslocamento se torna longo e custoso. Pode
implicar ainda em maior afastamento da família e maior privação de sono, nos
casos que o policial é transferido para locais distantes de sua residência.
Certamente esses impactos podem ser
atenuados ou acentuados a partir do local de trabalho, a função desempenhada, o
local onde reside, a forma como concebe seu próprio trabalho. Entretanto, é
notável que se tornar um policial ocasiona mudanças na vida de um indivíduo. A
amplamente disseminada ideia do policial como um indivíduo inabalável contribui
para que ele tenha dificuldade de demonstrar características ou sentimentos que
possam contradizer essa imagem. Vale destacar também que a presença de
dependência química ou demais doenças mentais também foram elementos
encontrados nas pesquisas que abordaram o suicídio entre os profissionais de
segurança pública. Os policiais que apresentaram comportamento suicida alegaram
sentirem-se mais deprimidos ou sem perspectiva do que os do grupo controle.
Afirmaram sentirem pouco interesse ou prazer em realizar as atividades de trabalho
e relataram ter problemas relacionados ao sono.
Em suma, percebe-se que há uma
necessidade do desenvolvimento de estratégias comprometidas com o aprimoramento
da qualidade dos dados, existe um número altamente subnotificado nas
estatísticas sobre suicídio e tentativa de suicídio entre policiais. Apesar de
que nos últimos anos (2019-2022) o tema passou a ser mais discutido no interior
das instituições. No entanto, a rede de atendimento e amparo aos policiais e
seus dependentes ainda é bastante frágil. Por fim, observa-se também a
necessidade do desenvolvimento de serviços para os policiais que vivenciam
alguma situação de extremo estresse no desempenho da função, considerando que o
retorno imediato ao trabalho pode significar um risco para esse policial, seus
familiares, seus colegas de trabalho e toda sociedade.
v
Assessor de Coordenador
na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP
Formado em Gestão de Políticas
Públicas pela USP
Mestre em Gestão e Desenvolvimento
Regional
Professor de Cursinho pré-vestibular
em São Paulo
Contato: italocmantovani@gmail.com
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