Ítalo do Couto Mantovani*
As
Audiências de Custódia foram criadas em janeiro de 2015 por meio de uma
parceria entre o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ). No final de 2019, com a promulgação da Lei nº 13.964, as
Audiências de Custódia passaram a ser expressamente previstas no Código de
Processo Penal (CPP). Apesar da previsão
legislativa, há a Resolução nº 213/2015 do CNJ que continua sendo a normativa
que regulamenta, de maneira mais detalhada, o funcionamento das Audiências de
Custódia e as possibilidades de atuação diante de um caso de tortura e maus
tratos.
Dentre
as finalidades idealizadas para as Audiências de Custódia no memento de sua
instalação no país, as principais eram: a redução do número de pessoas presas
preventivamente no Brasil e a prevenção e repressão dos casos de violência
policial cometida no momento da prisão. No entanto, pouco tem se falado sobre
esses procedimentos investigatórios instaurados após as audiências e,
consequentemente, sobre o impacto das denúncias de violência policial.
Ser ameaçado, agredido
e torturado pela polícia, denunciar à Justiça e ver os colegas fardados de seus
agressores serem responsáveis pela investigação dos crimes. Este cenário é a
realidade da maioria das pessoas presas em flagrante e que denunciam a
violência policial em audiências de custódia. De acordo com o relatório
“Investigações em labirinto: os caminhos da apuração das denúncias de violência
policial apresentadas em audiências de custódia”, produzido pela Conectas em
parceria com o IDDD (Instituto de Defesa do Direitos de Defesa) a partir de uma
análise qualitativa de casos denunciados em São Paulo, via de regra, a
resolução e responsabilização destes crimes é nula. Isso enfraquece um dos
principais objetivos das audiências: o combate à tortura e maus-tratos por
agentes de segurança do Estado. A pesquisa analisou o impacto desse instrumento e
apontou aperfeiçoamentos nos mecanismos de blindagem da violência estrutural do
Estado. Antes da mudança na lei, 52% das denúncias foram arquivadas após a
análise inicial. Depois dela, dois casos foram arquivados prematuramente e 30
foram levados à investigação, mas impressionantes 86% deles (ou 26 casos) foram
arquivados sem render uma Investigação Preliminar ou um Inquérito Policial
Militar.
Consequentemente, o Relatório traz o
ponto nevrálgico desse mecanismo que é de que as denúncias de violência
cometida por policiais militares na prisão em flagrante, relatadas durante as
Audiências de Custódia não são investigadas. Pelo material estudado, dos 53
casos analisados, entre 2015 e 2018, nenhum culminou na abertura de processo
criminal contra qualquer militar, muito menos em condenação ou mesmo responsabilização
em âmbito administrativo. O laudo do Exame de Corpo de Delito, feito na
sequência da Audiência, também não contribui para a apuração, ou seja, até pode
registrar lesões corporais decorrentes de violência praticadas no momento da
prisão, mas incapaz de verificar aspectos decorrentes de agressões que não
sejam físicos evidentes.
Esses casos evidenciam uma falha na estrutura do
Judiciário em relação ao exame de corpo de delito. Nos casos avaliados na
pesquisa, não houve médicas legistas designadas para examinar mulheres. Em
outros casos difíceis de detectar em exames clínicos comuns, como agressão
psicológica, não há um protocolo definido.
Entre as recomendações do
relatório “Investigações em labirinto” para que haja melhor resolução dos casos
de violência policial estão: a disponibilidade de uma equipe multidisciplinar
durante o exame de corpo de delito e o direito do periciado escolher raça e
gênero dos peritos.
v
Assessor de Coordenador
na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP
Formado em Gestão de Políticas
Públicas pela USP
Mestre em Gestão e Desenvolvimento
Regional
Professor de Cursinho
pré-vestibular em São Paulo
Contato: italocmantovani@gmail.com
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