Ítalo do Couto
Mantovani*
A criminalidade se tornou
um problema crômico nas cidades brasileiras e o medo a consequência principal
desse distúrbio. As autoridades tentaram e tentam lidar com o problema de forma
desastrada, sem planejamento e emocional, como se disputassem uma guerra contra
o crime, com a famigerada tática do policiamento ostensivo nos bairros pobres,
tratando como territórios perigosos e uma população vista como inimiga.
Em vez de diminuir as taxas de crime e
violência, essa estratégia causa e causou efeitos perversos, indesejados e
colaterais. Em dezembro de 2022 as prisões estavam superlotadas, com uma
população carcerária de mais de 800 mil (dados da Secretaria Nacional de
Politicas Penais) e um déficit de quase 300 mil vagas, fortalecendo o poder dos
chefes das facções criminosas, enquanto as autoridades de segurança pública e
justiça são vistas como injustas e violentas, ajudando a incentivar os
conflitos, o medo e a sensação de desordem, sem falar do aumento dos ganhos
políticos e econômicos dos que faturam com o crime. Não bastasse isso, os dados
também indicam que o nosso sistema de segurança é ineficiente, paga mal aos
policiais e convive com padrões operacionais inaceitáveis de letalidade e
vitimização policial, com baixas taxas de esclarecimentos de delitos e
precárias condições de encarceramento. Não conseguimos oferecer serviços de
qualidade, reduzir a insegurança e aumentar a confiança da população nas
instituições.
Governos
de todos os níveis, sociedade civil organizada, imprensa parecem tratar o tema
com atenção mediana diante do tamanho do nosso problema. A única explicação
razoável para essa epidemia de indiferença diante do horror é o fato de que a
criminalidade e violência são vistas e sofridas de formas diferentes nas
camadas da sociedade. Prova desta explicação é que as vítimas são quase todos
pobres, em grande parte negros e jovens. Nesse sentido, é fundamental que se
consiga visibilizar o invisível, que se fure o bloqueio do silêncio cômodo
frente a uma quantidade inaceitável de violência. As classes mais baixas da
sociedade têm um medo que não é ilusório nem fruto de manipulação midiática. A
maior prova de capacidade de um gestor na área pública está em combinar geração
de emprego e renda com a sensibilidade para o imaginário jovem, para suas
linguagens culturais específicas.
Os
jovens pobres das periferias e comunidades não querem uma integração subalterna
no mercado de trabalho. Não desejam ser engraxates dos nossos sapatos,
mecânicos dos nossos carros ou pintores de nossas paredes. Não querem repetir a
trajetória de fracassos de seus pais. Muito menos pretendem reproduzir o
itinerário de derrotas da geração precedente. Os jovens pobres desejam o mesmo
que os filhos da classe média e das elites: internet, tecnologia de ponta,
arte, música, cinema, teatro, tv, mídia, cultura, esporte. Desejam espaços para
expressão de sua potencialidade crítica e criativa; espaços e oportunidades
para sua afirmação pessoal; chances para alcançar reconhecimento e valorização,
escapando ao manto aniquilador da invisibilidade social discriminatória.
Dessa forma, as novas políticas
públicas, voltadas para a disputa com o tráfico e para a sedução da juventude,
teriam de instituir-se em sintonia com os desejos e as fantasias que circulam
nas linguagens culturais da juventude, combinando políticas de emprego e de
renda, capacitação e complementação educacional, com interesse pelos temas e
práticas cujos eixos são arte, música, cultura e mídia. No plano municipal há
muito a fazer, mesmo sem as polícias. Nesse nível, a intervenção efetivamente
capaz de prevenir a violência e a criminalidade é aquela que visa a alteração
das condições propiciatórias imediatas, isto é, das condições diretamente
ligadas às práticas que se deseja eliminar; não é, portanto, a ação voltada
para mudanças estruturais, cujos efeitos somente exerceriam algum impacto
desacelerador sobre as dinâmicas criminais em um futuro distante - o que,
evidentemente, não significa que essas mudanças, de tipo estrutural, não devam
ser realizadas. Embora necessárias e urgentes, não são suficientes, nem
substituem as intervenções tópicas, via políticas sociais indutivas, nas
dinâmicas imediatamente geradoras da violência. Um exemplo: com frequência, as
práticas criminais concentram-se em territórios limitados, conformando padrões
e permitindo tanto a previsão como a antecipação. Esse quadro constitui
fenômeno amplamente reconhecido pela criminologia internacional. Sendo assim,
antes mesmo que as eventuais reformas das estruturas socioeconômicas produzam
seus efeitos, iniciativas tópicas, que incidam de modo adequado e eficiente
sobre as condições e circunstâncias imediatamente ligadas à dinâmica criminal,
podem alcançar resultados excelentes. É preciso interceptar as dinâmicas
imediatamente geradoras dos fenômenos, o que exige diagnósticos sensíveis às
complexidades dos contextos sociais, os quais devem ser complementados por
planejamento qualificado e por avaliações sistemáticas, que propiciem permanente
monitoramento de todo o processo de intervenção pública, mesmo quando se dá em
parceria com iniciativas da sociedade civil.
v
Assessor de Coordenador
na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP
Formado em Gestão de Políticas
Públicas pela USP
Mestre em Gestão e Desenvolvimento
Regional
Professor de Cursinho pré-vestibular
em São Paulo
Contato: italocmantovani@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário