quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

INCENTIVA O CONFRONTO, MAS DEIXA SOZINHO NOS BANCOS DOS REÚS


 


 

Ítalo do Couto Mantovani*

 

Em um intervalo de apenas 16 dias, quatro agentes da Polícia Militar foram mortos a tiros em cidades de São Paulo, três deles de folga (sendo um deles da reserva) e um em serviço. O número já supera todos os registros oficiais do tipo contabilizados no primeiro trimestre do ano passado, além de corresponder a um quinto dos 20 óbitos de PMs registrados ao longo de 2023 (só de agentes da ativa), segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP).

Os resultados de investigações até agora não apontam ligação entre os casos, mas as mortes em sequência ligam sinal de alerta. A Secretaria da Segurança Pública diz que os casos não refletem, necessariamente, uma tendência. Afirma também que reforça ações para proteger os agentes. Para especialistas, é precipitado afirmar que se trata de ofensiva do crime organizado, mas chama a atenção o fato de dois dos óbitos terem sido na Baixada Santista, área de presença de facções ligadas ao tráfico e palco de operações policiais recentes. As tropas trabalham sob alto índice de pressão, muitas vezes com reflexos graves na saúde mental dos agentes. A perda de colegas aumenta a sensação de risco e torna o ambiente de trabalho mais tenso. Os especialistas, porém, alertam que as mortes não devem ensejar “operações vingança”, que são caracterizadas por incursões letais de policiais em comunidades onde afirmam haver suspeitos dos assassinatos. Os argumentos são de que, além de desrespeitar o direito de defesa dos suspeitos e colocar inocentes em perigo, ações do tipo oferecem risco para os próprios policiais.

As duas primeiras mortes, ambas de policiais de folga na zona sul da capital paulista, foram após tentativas de assalto em 18 de janeiro. No dia 26, um agente foi baleado e morto quando transitava de moto na Rodovia dos Imigrantes, na altura de Cubatão. Já na sexta-feira, 2, um soldado das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) foi morto em Santos durante ação de patrulhamento. Dados da secretaria apontam que, embora tenham tido queda de 6,2% entre 2022 e o ano passado, os roubos seguem em patamar elevado: foram 228.028 casos em 2023, o equivalente a 624 crimes dessa natureza por dia. Ao todo, 167 pessoas foram vítimas de latrocínio no período. Este alto índice de roubos em São Paulo abre caminhos para latrocínios, que é o Roubo seguido de morte.

Em resposta aos quatro assassinatos no começo do ano, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) deflagrou novas fases da Operação Escudo em todas as regiões onde os policiais foram mortos. Na última delas, iniciada após a morte do soldado da Rota em Santos, houve sete mortos pela PM. Segundo a Secretaria da Segurança, todos os casos envolveram confronto. Vale lembrar que a Operação Escudo começou em julho do ano passado, a morte do soldado da Rota Patrick Bastos Reis no Guarujá, também na Baixada, levou à deflagração da 1ª fase da Operação Escudo, que durou 40 dias e terminou com 28 mortes, com denúncias de entidades contra supostos casos de execução e tortura, o que foi negado pela Secretaria da Segurança.

o Fórum Brasileiro de Segurança Pública cobrou medidas para proteger os policiais. “O governador de São Paulo precisa revisar com os comandos das polícias paulistas sua política de segurança pública e fortalecer, de fato, os mecanismos de proteção dos mais 100 mil profissionais que atuam para garantir a segurança da população paulista”, diz a entidade.

“É evidente que o assassinato de um policial exige reposta dura por parte do Estado, mas isso, em grande medida, decorre de investigação pela Polícia Civil, a quem cabe investigar e reunir o máximo de provas possíveis para prender os responsáveis”, afirma Samira Bueno, diretora executiva do Fórum. “A grande questão é que a gestão (do secretário da Segurança, Guilherme) Derrite, até por ter sido da Rota e capitão da Polícia Militar, é muito influenciada pela trajetória dele enquanto policial”, afirma Samira. “E fica muito nessa ideia de usar o policiamento ostensivo para resolver todos os problemas, em uma lógica de enfrentamento que acaba gerando mortes e vítimas para todos os lados.”

Mesmo com essa ideia na nova gestão de confronto, matar o que fere os nossos, no último mês, dois agentes da Rota envolvidos na ação se tornaram réus por homicídio duplamente qualificado após a Justiça receber denúncia oferecida pelo Ministério Público. Eles são acusados de tampar suas câmeras corporais e plantar uma arma de fogo para forjar um confronto na Vila Zilda, no Guarujá. “Operações que são pautadas pela ideia de que o policial vai para a rua para matar ou para morrer vulnerabilizam o policial. Ele fica muito exposto ao risco e esse ciclo de vingança”, disse Samira. Ela relembra que, no ano passado, após a morte do soldado Reis, uma policial militar levou um tiro de fuzil nas costas em Santos. Em outra ocorrência, uma viatura foi baleada em Caraguatatuba, no litoral norte. Tudo isso traz a ideia de que a segurança precisa evoluir, precisa de inteligência, salário de qualidade e acima de tudo à valorização do seu policial, não adianta “atiçar” nosso policial entrar em confronto, a matar e deixar eles sentados sozinhos nos bancos dos réus. A Segurança não é mais o velho oeste, ela precisa evoluir e entender sobre seu papel no século XXI.

 

 

* Diretor da Divisão de Estudos e Monitoramento da Coordenadoria da Atividade

Delegada – Secretaria de Governo Municipal da Cidade de São Paulo

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

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