segunda-feira, 30 de novembro de 2020

CONSCIÊNCIA NEGRA?

 




Ítalo Mantovani*

 

Uma pesquisa mais apurada na internet, em específico, no Banco de Dados do Comércio Transatlântico de Escravos, mantido pela Universidade Emory (Estados Unidos). Percebemos que entre os anos de 1502 e 1866, 11,2 milhões de africanos sobreviveram à terrível travessia oceânica e chagaram como escravos ao Novo Mundo. Dos 11,2 milhões de africanos, apenas 450 mil desembarcaram nos Estados Unidos e para o Brasil foram 4,8 milhões, isto é, em 364 anos nosso país concentrou mais de 43% do comércio de escravos para a América.

Oficialmente, a escravidão acabou em 188, mas o Brasil jamais se empenhou, de fato, em resolver “o problema do negro” segundo o Nina Rodrigues. Liberdade em nosso país nunca significou, para ex-escravos e seus descendentes oportunidade de mobilidade social ou melhoria de vida. Pessoas que nunca tiveram acesso a terras, bons empregos, moradias decentes, educação, assistência, segurança e outras oportunidades disponíveis para os brancos.

Dados mais atuais mostram que negros e pardos (inclui mulatos e uma ampla gama de mestiços) representam 54% da população brasileira; com 78% de participação entre os 10% mais pobres, por outro lado, na faixa de 1% mais rico essa proporção inverte-se e chega apenas a 17,8% que são descendentes de africanos. Outro grande exemplo, do senso comum, é falar que é só estudar que alcança seus objetivos, mas de acordo com dados oficiais enquanto 22,2% da população branca têm 12 anos ou mais de estudo, a taxa é de 9,4% para população negra. O índice de analfabetismo entre negros em 2016 era de 9,9%, mais que o dobro do índice entre os brancos. Isso acarreta o desemprego que chegou a 13,6% para a população negra e nem 10% para os brancos.

Na Segurança Pública o abismo é das mesmas proporções. Um homem negro tem oito vezes mais chances de ser vítima de homicídios no Brasil que um homem branco. Representaram 75,7% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9, o que significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos. Da mesma forma, as mulheres negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando comparada à das mulheres não negras.

Este cenário de aprofundamento das desigualdades raciais nos indicadores sociais da violência fica mais evidente quando constatamos que a redução de 12% da taxa de homicídios ocorrida entre 2017 e 2018 se concentrou mais entre a população não negra do que na população negra. E mais de 60% da população carcerária é negra.

Do outro lado, nossos policiais também sofrem com essa criminalidade. Dois a cada 3 dos 172 policias assassinados em 2019 eram negros. Pardos e pretos representam 65,1% dos policias militares e civis vítimas de crimes violentos letais intencionais, quando estavam em serviço ou em período de folga. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brancos são a maioria (53%) dos integrantes da polícia militar e civil. Contudo, representam 1/3 dos assassinatos de policiais.

Alguns dos pontos principais que trazem a tona o motivo dos policiais estarem morrendo é de que, são, em geral, de nível operacional e são recrutados no mesmo segmento socioeconômico que concentra o maior número de negros. Então, policiais jovens que estão sendo mortos fazem parte do mesmo segmento socioeconômico e demográfico, que, em geral, mora nas periferias. Isto é, não temos uma política pública para nossos policiais também, apenas o colocamos em prontidão, para servir a população, mas não criamos condições necessárias para que todo seu ciclo de desvalorização, durante a vida, mude com a entrada na corporação.

Essas cifras são o alto preço que o Brasil paga ainda hoje pelo abandono de sua população negra à própria sorte na época da Lei Áurea. Para Joaquim Nabuco, abolicionista pernambucano do século XIX, os brasileiros continuam condenados a permanecer no atraso enquanto não resolverem de forma satisfatória a herança escravocrata, ou seja, não basta só à liberdade, precisamos incorporar a sociedade como cidadãos de pleno direito. Enquanto isso não acontecer, iremos continuar construindo e sustentando inúmeros mitos relacionados à história escravocrata.

 

 

v    Assessor de Coordenador na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

                                             

 

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