quarta-feira, 5 de julho de 2023

SEGURANÇA PÚBLICA NÃO É SÓ A POLÍCIA

 



Ítalo do Couto Mantovani*

A criminalidade se tornou um problema crômico nas cidades brasileiras e o medo a consequência principal desse distúrbio. As autoridades tentaram e tentam lidar com o problema de forma desastrada, sem planejamento e emocional, como se disputassem uma guerra contra o crime, com a famigerada tática do policiamento ostensivo nos bairros pobres, tratando como territórios perigosos e uma população vista como inimiga.

Em vez de diminuir as taxas de crime e violência, essa estratégia causa e causou efeitos perversos, indesejados e colaterais. Em dezembro de 2022 as prisões estavam superlotadas, com uma população carcerária de mais de 800 mil (dados da Secretaria Nacional de Politicas Penais) e um déficit de quase 300 mil vagas, fortalecendo o poder dos chefes das facções criminosas, enquanto as autoridades de segurança pública e justiça são vistas como injustas e violentas, ajudando a incentivar os conflitos, o medo e a sensação de desordem, sem falar do aumento dos ganhos políticos e econômicos dos que faturam com o crime. Não bastasse isso, os dados também indicam que o nosso sistema de segurança é ineficiente, paga mal aos policiais e convive com padrões operacionais inaceitáveis de letalidade e vitimização policial, com baixas taxas de esclarecimentos de delitos e precárias condições de encarceramento. Não conseguimos oferecer serviços de qualidade, reduzir a insegurança e aumentar a confiança da população nas instituições.

                Governos de todos os níveis, sociedade civil organizada, imprensa parecem tratar o tema com atenção mediana diante do tamanho do nosso problema. A única explicação razoável para essa epidemia de indiferença diante do horror é o fato de que a criminalidade e violência são vistas e sofridas de formas diferentes nas camadas da sociedade. Prova desta explicação é que as vítimas são quase todos pobres, em grande parte negros e jovens. Nesse sentido, é fundamental que se consiga visibilizar o invisível, que se fure o bloqueio do silêncio cômodo frente a uma quantidade inaceitável de violência. As classes mais baixas da sociedade têm um medo que não é ilusório nem fruto de manipulação midiática. A maior prova de capacidade de um gestor na área pública está em combinar geração de emprego e renda com a sensibilidade para o imaginário jovem, para suas linguagens culturais específicas.

                Os jovens pobres das periferias e comunidades não querem uma integração subalterna no mercado de trabalho. Não desejam ser engraxates dos nossos sapatos, mecânicos dos nossos carros ou pintores de nossas paredes. Não querem repetir a trajetória de fracassos de seus pais. Muito menos pretendem reproduzir o itinerário de derrotas da geração precedente. Os jovens pobres desejam o mesmo que os filhos da classe média e das elites: internet, tecnologia de ponta, arte, música, cinema, teatro, tv, mídia, cultura, esporte. Desejam espaços para expressão de sua potencialidade crítica e criativa; espaços e oportunidades para sua afirmação pessoal; chances para alcançar reconhecimento e valorização, escapando ao manto aniquilador da invisibilidade social discriminatória.

                Dessa forma, as novas políticas públicas, voltadas para a disputa com o tráfico e para a sedução da juventude, teriam de instituir-se em sintonia com os desejos e as fantasias que circulam nas linguagens culturais da juventude, combinando políticas de emprego e de renda, capacitação e complementação educacional, com interesse pelos temas e práticas cujos eixos são arte, música, cultura e mídia. No plano municipal há muito a fazer, mesmo sem as polícias. Nesse nível, a intervenção efetivamente capaz de prevenir a violência e a criminalidade é aquela que visa a alteração das condições propiciatórias imediatas, isto é, das condições diretamente ligadas às práticas que se deseja eliminar; não é, portanto, a ação voltada para mudanças estruturais, cujos efeitos somente exerceriam algum impacto desacelerador sobre as dinâmicas criminais em um futuro distante - o que, evidentemente, não significa que essas mudanças, de tipo estrutural, não devam ser realizadas. Embora necessárias e urgentes, não são suficientes, nem substituem as intervenções tópicas, via políticas sociais indutivas, nas dinâmicas imediatamente geradoras da violência. Um exemplo: com frequência, as práticas criminais concentram-se em territórios limitados, conformando padrões e permitindo tanto a previsão como a antecipação. Esse quadro constitui fenômeno amplamente reconhecido pela criminologia internacional. Sendo assim, antes mesmo que as eventuais reformas das estruturas socioeconômicas produzam seus efeitos, iniciativas tópicas, que incidam de modo adequado e eficiente sobre as condições e circunstâncias imediatamente ligadas à dinâmica criminal, podem alcançar resultados excelentes. É preciso interceptar as dinâmicas imediatamente geradoras dos fenômenos, o que exige diagnósticos sensíveis às complexidades dos contextos sociais, os quais devem ser complementados por planejamento qualificado e por avaliações sistemáticas, que propiciem permanente monitoramento de todo o processo de intervenção pública, mesmo quando se dá em parceria com iniciativas da sociedade civil.

 

v    Assessor de Coordenador na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

 

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