terça-feira, 22 de junho de 2021

COMBATE À VIOLÊNCIA POLICIAL



Ítalo do Couto Mantovani*

           

            As Audiências de Custódia foram criadas em janeiro de 2015 por meio de uma parceria entre o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No final de 2019, com a promulgação da Lei nº 13.964, as Audiências de Custódia passaram a ser expressamente previstas no Código de Processo Penal (CPP).  Apesar da previsão legislativa, há a Resolução nº 213/2015 do CNJ que continua sendo a normativa que regulamenta, de maneira mais detalhada, o funcionamento das Audiências de Custódia e as possibilidades de atuação diante de um caso de tortura e maus tratos.

            Dentre as finalidades idealizadas para as Audiências de Custódia no memento de sua instalação no país, as principais eram: a redução do número de pessoas presas preventivamente no Brasil e a prevenção e repressão dos casos de violência policial cometida no momento da prisão. No entanto, pouco tem se falado sobre esses procedimentos investigatórios instaurados após as audiências e, consequentemente, sobre o impacto das denúncias de violência policial.

            Ser ameaçado, agredido e torturado pela polícia, denunciar à Justiça e ver os colegas fardados de seus agressores serem responsáveis pela investigação dos crimes. Este cenário é a realidade da maioria das pessoas presas em flagrante e que denunciam a violência policial em audiências de custódia. De acordo com o relatório “Investigações em labirinto: os caminhos da apuração das denúncias de violência policial apresentadas em audiências de custódia”, produzido pela Conectas em parceria com o IDDD (Instituto de Defesa do Direitos de Defesa) a partir de uma análise qualitativa de casos denunciados em São Paulo, via de regra, a resolução e responsabilização destes crimes é nula. Isso enfraquece um dos principais objetivos das audiências: o combate à tortura e maus-tratos por agentes de segurança do Estado. A pesquisa analisou o impacto desse instrumento e apontou aperfeiçoamentos nos mecanismos de blindagem da violência estrutural do Estado. Antes da mudança na lei, 52% das denúncias foram arquivadas após a análise inicial. Depois dela, dois casos foram arquivados prematuramente e 30 foram levados à investigação, mas impressionantes 86% deles (ou 26 casos) foram arquivados sem render uma Investigação Preliminar ou um Inquérito Policial Militar.

            Consequentemente, o Relatório traz o ponto nevrálgico desse mecanismo que é de que as denúncias de violência cometida por policiais militares na prisão em flagrante, relatadas durante as Audiências de Custódia não são investigadas. Pelo material estudado, dos 53 casos analisados, entre 2015 e 2018, nenhum culminou na abertura de processo criminal contra qualquer militar, muito menos em condenação ou mesmo responsabilização em âmbito administrativo. O laudo do Exame de Corpo de Delito, feito na sequência da Audiência, também não contribui para a apuração, ou seja, até pode registrar lesões corporais decorrentes de violência praticadas no momento da prisão, mas incapaz de verificar aspectos decorrentes de agressões que não sejam físicos evidentes.

            Esses casos evidenciam uma falha na estrutura do Judiciário em relação ao exame de corpo de delito. Nos casos avaliados na pesquisa, não houve médicas legistas designadas para examinar mulheres. Em outros casos difíceis de detectar em exames clínicos comuns, como agressão psicológica, não há um protocolo definido. 

Entre as recomendações do relatório “Investigações em labirinto” para que haja melhor resolução dos casos de violência policial estão: a disponibilidade de uma equipe multidisciplinar durante o exame de corpo de delito e o direito do periciado escolher raça e gênero dos peritos.

 

v    Assessor de Coordenador na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

 

 

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