segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

A SAÚDE DOS PROFISSIONAIS DE SEGURANÇA PÚBLICA


 


 

Ítalo do Couto Mantovani*

            Com a alternância democrática do poder neste início de ano (2023), deixaram seus cargos o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o Secretário Nacional de Segurança Pública (Senasp) e a Secretária de Gestão e Ensino em Segurança Pública (Segen). Gestão que merece destaque na criação, edição e lançamento da Revista do Sistema Único de Segurança Pública, fomentando o debate acadêmico, em torno das políticas públicas no campo da Segurança, algo até então nunca feito para o tema.

            A Revista é uma publicação semestral, de maneira interdisciplinar que se dedica à disseminação do conhecimento científico, técnico e profissional na área da Segurança. Desse modo, o periódico tenta contribuir com a ampliação e consolidação de boas práticas e o compartilhamento das experiências da Segurança Pública para o Brasil todo. Analisando até então as duas edições publicadas é fácil concluir que somos um país violento. Nossas taxas anuais de homicídio frequentemente ocupam posições de destaque em rankings mundiais. Esse campo é amplamente debatido por aqueles que se dedicam a estudar as instituições de segurança pública. Nessa perspectiva, existem inúmeras propostas comprometidas com a reversão desse quadro. Em contrapartida, menos atenção tem sido dispensada a temas como a saúde física e mental desses profissionais. 

            Um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) aplicou 224 questionários e, em seguida, realizou 211 entrevistas com policiais que responderam ao questionário. Os policiais foram classificados em três categorias: os que haviam tentado suicídio (10% dos casos válidos), os que haviam pensado em suicídio (22% dos casos válidos) e o grupo controle, ou seja, policiais que não haviam pensado, nem tentado suicídio (68% dos casos válidos). Em São Paulo, foram analisados 53 suicídios ocorridos entre 2017 e 2018, sendo 36 deles na polícia militar e 17 na polícia civil. É preciso considerar que o efetivo da polícia civil é expressivamente inferior ao da polícia militar. A taxa de suicídio entre policiais civis foi de 30,3 e 21,7 entre policiais militares, o que torna o suicídio um problema ainda mais grave na polícia civil paulista. No contexto paulista identifica-se que por vezes a transferência de unidade ocorre sem a concordância ou aviso prévio ao policial, prática comumente utilizada, pode gerar uma série de problemas, como de ordem financeira, quando o novo posto de serviço não possibilita conciliar com os trabalhos extras realizados por esse policial ou quando o deslocamento se torna longo e custoso. Pode implicar ainda em maior afastamento da família e maior privação de sono, nos casos que o policial é transferido para locais distantes de sua residência.

            Certamente esses impactos podem ser atenuados ou acentuados a partir do local de trabalho, a função desempenhada, o local onde reside, a forma como concebe seu próprio trabalho. Entretanto, é notável que se tornar um policial ocasiona mudanças na vida de um indivíduo. A amplamente disseminada ideia do policial como um indivíduo inabalável contribui para que ele tenha dificuldade de demonstrar características ou sentimentos que possam contradizer essa imagem. Vale destacar também que a presença de dependência química ou demais doenças mentais também foram elementos encontrados nas pesquisas que abordaram o suicídio entre os profissionais de segurança pública. Os policiais que apresentaram comportamento suicida alegaram sentirem-se mais deprimidos ou sem perspectiva do que os do grupo controle. Afirmaram sentirem pouco interesse ou prazer em realizar as atividades de trabalho e relataram ter problemas relacionados ao sono.

            Em suma, percebe-se que há uma necessidade do desenvolvimento de estratégias comprometidas com o aprimoramento da qualidade dos dados, existe um número altamente subnotificado nas estatísticas sobre suicídio e tentativa de suicídio entre policiais. Apesar de que nos últimos anos (2019-2022) o tema passou a ser mais discutido no interior das instituições. No entanto, a rede de atendimento e amparo aos policiais e seus dependentes ainda é bastante frágil. Por fim, observa-se também a necessidade do desenvolvimento de serviços para os policiais que vivenciam alguma situação de extremo estresse no desempenho da função, considerando que o retorno imediato ao trabalho pode significar um risco para esse policial, seus familiares, seus colegas de trabalho e toda sociedade.

 

v    Assessor de Coordenador na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

 

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