quarta-feira, 18 de setembro de 2019

O PASSADO RACIAL E A VIOLÊNCIA BRASILEIRA



            O Brasil foi o maior território escravista do hemisfério ocidental, por quase quatro séculos. Recebeu, sozinho, aproximadamente 5 milhões de africanos, 40% do total de 12, 5 milhões. Como resultado, é atualmente o segundo país de maior população negra ou de origem africana no mundo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pretos e pardos somam hoje 115 milhões de pessoas, inferior apenas à população da Nigéria com 150 milhões. A Escravidão é um fator definidor e importante da nossa identidade nacional. Estudá-la ajuda a explicar nosso passado, e principalmente nosso presente.
            Recentemente a notícia de que um adolescente de 17 anos, furtou barras de chocolate de 
um supermercado e, logo em seguida, acabou levado para as dependências do estabelecimento
 por seguranças que o despiram, amordaçaram e o torturam com chicotadas viralizou nas 
redes sociais. Atos de crueldade que acontecem todos os dias no território brasileiro. 
Seja em supermercados, em lojas, casas de shows e até mesmo delegacias. Na obra do baiano 
Jorge Amado, Capitães da Areia de 1937, retrata a cena em que um dos garotos que 
vivem abandonados pela sociedade é capturado e torturado para dar a localização de outros meninos, se nega e é colocado em solitária. Não venho defender ou não menores infratores. Venho mostrar que o sistema de tortura está enraizado em nossa sociedade desde os tempos do Brasil Colônia. E a população negra é a que mais sai prejudicada em toda essas ações.
            Alguns autores afirmam que a abolição da escravatura no país em 1888 coloca fim a um sistema já em decadência, mas não há nada que dê aos negros oportunidade de mobilidade social ou até mesmo melhoria de vida. Nunca tiveram acesso as terras, bons empregos, moradias decentes, educação, assistência à saúde de qualidade e outras oportunidades disponíveis para brancos. Há autores que afirmam até que se a Família Real tivesse “indenizado” os senhores de terra pela “perda” dos escravos viveríamos ainda em um sistema monárquico, mas sem isso, houve o apoio para a derrubada de D. Pedro II e toda sua família.
            Uma das principais facetas da desigualdade racial vem pela vertente da concentração de homicídios na população negra. Pelo Atlas da Violência 2018, em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Comparando uma década (2006-2016), a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa de não negros teve uma redução de 6,8%, separando por gênero o número de homicídios de mulheres negras foi de 71% superior à de mulheres não negras. O Estado de Alagoas em 2016 teve a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%), mas a menor taxa de homicídios de não negros do Brasil (4,1%). Por outro lado, nosso estado, São Paulo, apresentou a menor taxa de homicídios de negros em todo Brasil (13,5%). Os dados trazidos vêm apenas complementar e atualizar o cenário da desigualdade racial em termos de violência em nosso país.
            Em uma comparação rústica, colocando os 519 anos do país em 24 horas, o Brasil teria 18h de escravidão e apenas 1h40 de democracia. Fica claro que a desigualdade racial é expressa de forma cristalina. A violência letal e a falta de políticas públicas asseguram esse abismo. Para se ter uma ideia, a participação dos negros nos 10% mais pobres do Brasil é de 78%, enquanto na faixa dos 1% maios ricos da população, é de apenas 17%. A taxa de 12 anos de estudos ou mais tem 22% da população branca e apenas 9,4%. Um homem negro tem oito vezes mais chances de ser vítima de homicídios no Brasil do que um homem branco.
            Essas cifras são o alto preço que o Brasil paga ainda hoje pelo abandono de sua população negra à própria sorte na época da Lei Áurea. Joaquim Nabuco, abolicionista defendia que só teríamos uma sociedade totalmente democrática não apenas dando a liberdade aos negros, mas incorporá-los à sociedade como cidadãos plenos. Para que possamos reduzir a violência letal no país, é necessário que esses dados sejam levados em consideração e alvo de profunda reflexão. É com base em evidências como essas que políticas eficientes de prevenção da violência devem ser desenhadas e focalizadas, garantindo o efetivo direito à vida e à segurança da população negra no Brasil.

   * Assessor Técnico na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo
Formado em Gestão de Políticas Públicas Pela USP
Mestrando em Gestão e Desenvolvimento Regional
Professor do Cursinho Popular em São Paulo

Contatos: idcmantovani@sp.gov..br


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