segunda-feira, 30 de agosto de 2021

CANNABIS: REMÉDIO OU DROGA?

 


 Ítalo do Couto Mantovani*

            Atualmente, cerca de 40 países já autorizaram a maconha para fins terapêuticos — inclusive os Estados Unidos, nação que liderou o combate à planta no século 20. Por lá, onde cada unidade federativa tem a liberdade de formular as próprias leis, 33 dos 50 estados americanos mais o distrito federal já regulamentaram os remédios à base de Cannabis. E, com a liberação para uso. E, com a liberação para uso medicinal (e algumas vezes recreativo) no mundo, começa a surgir um novo e crescente mercado de negócios ligados à erva, que atrai profissionais e empreendedores.

            Essa mudança é um reconhecimento fundamental do fracasso da guerra às drogas e vem acompanhada de outra igualmente fundamental: a reparação a comunidades desproporcionalmente atingidas pela política de repressão generalizada, como pessoas negras e latinas. As informações são parte do Monitor de Política de Drogas nas Américas, projeto do Instituto Igarapé que acompanha as reformas em políticas de drogas no continente.

            As estratégias pioneiras mapeadas são exemplo para países que ainda apostam em uma abordagem anticientífica, como o Brasil, onde a guerra às drogas afeta sobremaneira grupos vulneráveis, a exemplo da criminalização de usuários e da marginalização de jovens negros de periferias.

            Nos últimos 12 meses, seis estados norte-americanos regularam o mercado de cannabis para uso adulto: Nova York, Nova Jersey, Montana, Virginia, Vermont e Novo México. Desses, cinco incluíram a extinção automática dos registros criminais de pequenos delitos relacionados à posse de maconha, retroagindo os efeitos da nova legislação em benefício dos réus. Apenas Montana determinou que essa extinção seja provocada, levando a uma análise caso a caso. Todos incorporaram de alguma maneira a necessidade de reparação e reconhecimento de comunidades desproporcionalmente atingidas. Nova York determinou que 50% das licenças para negócios de cannabis sejam concedidas a microempresas e/ou candidatos que se enquadrem em critérios de promoção de equidade social, como raça e situação socioeconômica. Além disso, 40% dos impostos obtidos do mercado legal de cannabis devem ser revertidos em investimentos para essas comunidades.

            “A produção legal de cannabis é cara. Além de todas as taxas e impostos envolvidos, em geral, ela requer uma grande capacidade de investimento inicial. Grandes benefícios financeiros dos novos mercados não estavam chegando àqueles que durante anos pagaram o preço da proibição”, avalia Carolina Taboada, pesquisadora do Instituto Igarapé. “Na Virginia, por exemplo, entre 2010 e 2019, pessoas negras foram condenadas por posse de maconha em proporção quatro vezes superior às pessoas brancas”, alerta. 

            Illinois foi o 11º estado a regular o mercado da cannabis para uso adulto, em junho de 2019, mas o primeiro a incorporar a necessidade de ressarcir as comunidades negras e latinas pelo sofrimento da guerra às drogas em sua legislação, destinando 25% da arrecadação de impostos a projetos nessas comunidades.

            No Brasil, o uso de drogas continua criminalizado e não há critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, 20% das incidências que levam pessoas às prisões são relacionadas à Lei de Drogas. Entre as mulheres, o percentual chega a 50%. O perfil majoritário da população carcerária é de jovens, negros, com baixa escolaridade. Levantamentos já indicaram que pessoas negras são mais condenadas por tráfico e com menos drogas. Além disso, essa população é afetada sobremaneira por prisões em flagrante e pela violência do Estado.

            Só em 2018 o mercado global de maconha movimentou 18 bilhões de dólares (94 bilhões de reais). De acordo com um relatório da consultoria New Frontier Data, feito em parceria com a The ­Green Hub, aceleradora brasileira de startups de Cannabis, apenas no Brasil essa indústria pode movimentar outros 4,6 bilhões de reais nos próximos três anos. No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberou, em dezembro de 2019, a venda de produtos à base de cannabis nas farmácias. A comercialização só foi autorizada para produtos prontos que possuem uma quantidade específica de THC (tetrahidrocanabinol) e CBD (canabidiol). A Anvisa não informou quanto esses medicamentos movimentaram em 2020, mas, até abril deste ano, apenas 35.222 pacientes possuíam autorização para o uso; o que representa aproximadamente 0,017% da população brasileira.

 

 

v    Assessor de Coordenador na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

 


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