segunda-feira, 29 de julho de 2024

ESTUPRO NÃO É SÓ AUMENTO OU QUEDA, MAS QUESTIONAMENTO


Ítalo do Couto Mantovani*

 

Se, nos anos 1970 e 1980, os principais focos eram a violência, o poder e a dominação, presentes na violação sexual entre desconhecidos e conhecidos, nos anos 1990 e 2000, a atenção recai sobre a sexualidade entre conhecidos. Ao fazer isso, introduz-se com nova força de argumentos a questão da existência ou não do consentimento. É esta mudança de foco que leva ao entendimento do uso social da noção de cultura antiestupro como objetivo político e social a ser alcançado no exercício da autonomia e liberdade da sexualidade em qualquer contexto.

No Brasil, a movimentação feminista da segunda metade dos anos 1970 e dos anos 1980 coloca em evidência a violência contra as mulheres, seja física e sexual, seja no âmbito doméstico, seja no público. São especialmente os assassinatos de mulheres de classes média e alta e a absolvição judicial ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980 que fazem com que haja visibilidade e legitimidade na mídia e na opinião pública da denúncia pela movimentação feminista sobre a violência contra as mulheres. As movimentações feministas logram nos anos 1980 a criação de Delegacias Especiais de Atendimento ou Defesa das Mulheres, nos âmbitos municipais e estaduais o que evidencia a profundidade e a importância da denúncia da violência contra as mulheres.

Mesmo com uma movimentação política, de prevenção, de atendimento e de controle o Brasil não tem apresentado bons resultados, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado no último dia 18 de julho, o país bateu recorde de casos de estupros e estupros de vulneráveis em 2023. A Maioria dos casos são de meninas agredidas por familiares e conhecidos em casa. Foram registrados quase 84 mil ocorrências, um aumento de 6,5% em relação a 2022. Em comparação com a série histórica, os casos quase duplicaram. Em 2011, foram registradas cerca de 44 mil ocorrências, número que cresceu 91,5% no ano passado. O perfil das vítimas é compostas por meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%) e em 84,7% das vezes os agressores são familiares ou conhecidos, que cometem a violação nas próprias residências das vítimas (61,7%). As vítimas de até 17 anos compõem 77,6% de todos os registros, segundo o estudo.  A taxa média nacional de estupros e estupros de vulnerável foi de 41,4 por 100 mil habitantes; 5 dos 26 estados apresentaram taxas maiores para cada 100 mil habitantes, que são Roraima com 112,5, Rondônia com 107,8, Acre 10,6, Mato Grosso do Sul 94,4 e Amapá com 91,7.

O estado de São Paulo fechou 2023 com 14.514 registros de estupros, uma taxa de 32,6 estupros por 100 mil habitantes. De 2022 para 2023 o aumento foi de 9,6%. Desses mais de 14 mil casos em 2023 77% (11.141) foram registrados como estupro de vulnerável. Acompanhando a tendência do Brasil, uma vez que o relatório informa que, de todas as ocorrências verificadas em 2023, 76% correspondem ao crime de estupro de vulnerável, tipificado na legislação brasileira como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo, como deficiência ou enfermidade.

A Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) teve acompanhamento parecido com todo estado de São Paulo. De 2022 para 2023 os 39 municípios da Região apresentaram um aumento de 9% no indicador de Estupro como um todo, por outro lado Pindamonhangaba teve uma queda de 24%.  Olhando agora para o estupro de vulnerável o estado teve um crescimento ode 7% e Pinda, mais uma vez registrou queda, valor expressivo de menos 67% ocorrências. Contudo, temos que tomar cuidado ao analisar este indicador, não é fato concreto de que aumentou o indicador e, por consequência, há mais estupro de um ano para o outro, muito menos o inverso. Um indicador muito sensível de ser mensurado, segundo o Ipea, apenas 8,5% dos casos de estupro chega ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde. Como vimos mais de 70% das vítimas estão entre 14 anos e menos, mais de 60% das ocorrências ocorrem em casa, fatores importantes para questionar o indicador e acreditar na subnotificação. A Análise que precisa ser feita é além desses dados, quais as políticas públicas feitas em meu município para queda ou aumento, Secretarias como da Segurança, da Mulher, dos Direitos Humanos, da Assistência Social (ou algo do gênero) estão trabalhando juntas? O que está sendo investido nesse ponto? Os poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário) têm trabalhado em conjunto?

 

* Diretor da Divisão de Estudos e Monitoramento da Coordenadoria da Atividade

Delegada – Secretaria de Governo Municipal da Cidade de São Paulo

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Graduando e História pela USP

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

 

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