A discussão sobre a meritocracia enquanto sistema social é antiga, mas não está finalizada na sociedade, por carregar ambiguidades de ordem cultural em cada nação. Em países cujo nascente liberalismo do século XVIII foi influente, assumiram a meritocracia como sistema social, em que o mérito individual é determinante para a ascensão social. Países com prolongamento de regimes aristocrático, monárquico, pseudodemocrático, ou democracias legítimas, mas tardias, consolidaram a desigualdade social como parâmetro e justificativa da condição social das pessoas.
Uma breve comparação sobre a
concepção de meritocracia dos Estados Unidos da América e do Brasil, permite-nos
entender que para o primeiro, a meritocracia é um sistema social que representa
a exaltação máxima da individualidade, guiando-se pelos princípios de liberdade
e igualdade como direito, e não como objetivo social; já para o segundo, a
meritocracia é uma ideologia de sucesso, guiando-se pelo princípio de igualdade
com base no direito e no sistema moral abrangente, em que o indivíduo e
sociedade devem ser avaliados em suas próprias circunstâncias e contexto que
pôde operar. Se nos E.U.A o contexto e variáveis são invocados para reforçar e
engrandecer o mérito, no Brasil o contexto é lembrado para justificar o que
cada um conseguiu ou o que deixou de conseguir.
Aplicado o conceito da meritocracia
nos campos da Administração e Educação, observamos reações diferentes nessas
áreas. Na Administração é desenvolvida como discurso de ascensão profissional,
para fins de valorização moral e reconhecimento financeiro, garantindo, ao
final, melhores resultados na produção e solidez da empresa. Na educação, ao
contrário, há resistência cultural em implantar métricas de avaliação para
aferir o valor do mérito, tanto do professor, como do estudante, por não haver
estímulo conjuntural para isso, seja salarial, de melhoria na infraestrutura,
de processos de gestão, na concepção e prática da avaliação pedagógica, entre
outros elementos, que, ao não serem considerados, torna injusta a análise de
desempenho no campo da educação. Entende-se, portanto, que a meritocracia é assumida
como natural na Administração e tímida na Educação, por reconhecer o viés capitalista
do processo administrativo presente no território educativo.
No Brasil, desde a década de 1990,
com a adesão da máquina pública ao modelo econômico neoliberal, buscou-se
estabelecer avaliações de larga escala no campo da educação, hoje conhecidas
como Enem, Saeb, Provão, entre outras avaliações, além de plataformas
educacionais que quantificam resultados para análise do processo de ensino
nacional e regional. Nesse sentido, Bachelard nos recorda que “é preciso refletir para medir, e não medir
para refletir”, pois a avaliação em larga escala não revela a realidade
econômica, social e cultural do estudante, tornando a educação nacional e
regional uma “inclusão excludente”, mostrando-se igual no ponto de partida, mas
desigual no ponto de chegada, restringindo a educação de qualidade a apenas uma
parcela da sociedade.
Compreendido a complexidade da
meritocracia mercantil, cabe à escola, em seu papel educativo, apoiada pela
coletividade escolar de gestores, professores, estudantes e comunidade
educativa, bem como mantenedora escolar, oportunizar a construção de uma
meritocracia voltada para marcadores que simbolizem valores como fraternidade e
não apenas marcadores técnicos – científicos estabelecidos pelo mercado
econômico. Oportunizar igualdade na largada e equidade na chegada, pode
resultar em vencedores altruístas e competidores respeitosos. Meritocracia com
marcador educacional voltado para a fraternidade é possível e é para hoje!
Por
Rodrigo Tarcha Amaral de Souza, Filósofo e Pedagogo, Mestre e Doutor em
Educação, Diretor da Escola Municipal Serafim Ferreira – “Sr. Sara” e Avaliador do MEC/Inep para cursos de graduação.
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