Ítalo do Couto Mantovani*
Ao longo da última década (2012 a 2021), 583.156 pessoas foram vítimas de
estupro e estupro de vulnerável no Brasil, segundo os registros policiais. Apenas no
último ano, 66.020 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável foram
registrados no Brasil, taxa de 30,9 por 100 mil e crescimento de 4,2% em relação ao ano
anterior. Estes dados correspondem ao total de vítimas que denunciaram o caso em uma
delegacia de polícia e, portanto, a subnotificação é significativa.
Os motivos pelos quais as vítimas não denunciam as agressões sofridas às
autoridades policiais são diversos, passando desde a dificuldade de compreensão do
próprio fenômeno enquanto crime, medo de retaliação do autor, constrangimento e até
receio da possível revitimização que possa ocorrer ao realizar a denúncia. No Brasil, os
números monitorados indicam que a maioria das vítimas são vulneráveis, o que,
segundo a legislação, inclui crianças menores de 14 anos e/ou pessoas adultas incapazes
de consentir, o que torna sua mensuração ainda mais difícil. Ainda assim, se
assumirmos que no Brasil o percentual de crimes de estupro reportados às polícias foi
similar ao mensurado nos EUA, teríamos cerca de 288.297 vítimas de estupro apenas no
ano passado, na evidência da urgência que o tema exige.
Diferentemente do previsto no imaginário social da população, a violência
sexual no Brasil é, na maioria das vezes, um crime perpetrado por algum conhecido da
vítima, parente, colega ou mesmo o parceiro íntimo: 8 em cada 10 casos registrados no
ano passado foram de autoria de um conhecido, considerando os registros em que esta
informação estava disponível. O fato de o autor ser conhecido da vítima dá uma camada
a mais de violência e de complexidade ao crime cometido: a denúncia se torna um
desafio ainda maior para as vítimas.
O dado global choca, aproximadamente 600 mil estupros no Brasil (de 2012 a
2021). Contudo, olhando para o estado de São Paulo temos em 10 anos 112 mil
registros de estupros (sozinho o estado tem 20% de todos os casos brasileiros), dos
quais 74% são apontados como estupro de vulnerável. São Paulo não disponibiliza um
dado mais apurado, caracterizando a vítima e o criminoso, no entanto dispomos de
dados nacionais sobre o fenômeno, crianças e adolescentes representam a maioria das
vítimas também. Em termos de distribuição etária, o grupo que contra o maior
percentual é o de 10 a 13 anos, seguido das crianças de 5 a 9 anos. No Brasil, 9 em cada
10 vítimas de estupro tinham no máximo 29 anos quando sofreram a violência sexual,
mas com forte concentração na infância. Se considerarmos as crianças e adolescentes
entre 0 e 13 anos, que automaticamente são enquadradas como vulneráveis, temos
61,3% de todas as vítimas, com forte concentração na faixa de 5 a 9 anos, que
representa 19,1% das vítimas, e de 10 a 13 anos, que reúne 31,7% dos registros.
A Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) com 39
municípios (o estado tem 645) e uma população de aproximadamente 2,5 milhões de
habitantes (5,7% da população do estado) concentra 6% de todo Estupro registrado no
estado na última década (2012-2021), com a mesma concentração para estupro de
vulnerável. Apesar das concentrações serem parecidas, a Região tem uma centralização
muito maior nos registros de estupros de vulneráveis que o estado, chegando
aproximadamente em 76%. Pindamonhangaba compilou nos últimos 10 anos 7% de
todos os estupros da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, e desse
montante 75% foram apresentados como estupro de vulnerável. Trazendo os dados para
o ano de 2023, o portal da Secretaria da Segurança Pública do estado disponibiliza os
registros sobre essa natureza de ocorrência até o mês de maio, e não temos nada de
mudança. A Região, em 5 meses, já concentra 6% de todo os estupros do estado e Pinda
5% de todos os estupros da Região. Com maior número de Boletins registrados como de
vulnerável para o estado, RMVPLN e Pinda, 76%, 74% e 67% respectivamente.
Os dados indicam ainda que a violência sexual no Brasil é, marcadamente, uma
violência perpetrada contra crianças e no início da adolescência, e os abusadores são
pessoas conhecidas e de confiança das vítimas, uma violência que ocorre no seio
familiar e cujos autores são parentes. Dentre os impactos na vida de sobreviventes, os
efeitos mais visíveis e imediatos são a gravidez indesejada, lesões físicas e doenças
sexualmente transmissíveis. Efeitos menos visíveis, mas bem documentados pela
literatura, mostram que vítimas da violência sexual com frequência sofrem de transtorno
de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, transtornos alimentares,
distúrbios sexuais e do humor, maior tendência ao uso ou abuso de álcool, drogas e
outras substâncias, comprometimento da satisfação com a vida, com o corpo, com a
atividade sexual e com relacionamentos interpessoais, bem como risco de suicídio.
Assessor de Coordenador na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP
Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP
Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional
Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo
Contato: italocmantovani@gmail.com
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