terça-feira, 18 de julho de 2023

UMA DÉCADA EM DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL



Ítalo do Couto Mantovani*

Ao longo da última década (2012 a 2021), 583.156 pessoas foram vítimas de

estupro e estupro de vulnerável no Brasil, segundo os registros policiais. Apenas no

último ano, 66.020 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável foram

registrados no Brasil, taxa de 30,9 por 100 mil e crescimento de 4,2% em relação ao ano

anterior. Estes dados correspondem ao total de vítimas que denunciaram o caso em uma

delegacia de polícia e, portanto, a subnotificação é significativa.

Os motivos pelos quais as vítimas não denunciam as agressões sofridas às

autoridades policiais são diversos, passando desde a dificuldade de compreensão do

próprio fenômeno enquanto crime, medo de retaliação do autor, constrangimento e até

receio da possível revitimização que possa ocorrer ao realizar a denúncia. No Brasil, os

números monitorados indicam que a maioria das vítimas são vulneráveis, o que,

segundo a legislação, inclui crianças menores de 14 anos e/ou pessoas adultas incapazes

de consentir, o que torna sua mensuração ainda mais difícil. Ainda assim, se

assumirmos que no Brasil o percentual de crimes de estupro reportados às polícias foi

similar ao mensurado nos EUA, teríamos cerca de 288.297 vítimas de estupro apenas no

ano passado, na evidência da urgência que o tema exige.

Diferentemente do previsto no imaginário social da população, a violência

sexual no Brasil é, na maioria das vezes, um crime perpetrado por algum conhecido da

vítima, parente, colega ou mesmo o parceiro íntimo: 8 em cada 10 casos registrados no

ano passado foram de autoria de um conhecido, considerando os registros em que esta

informação estava disponível. O fato de o autor ser conhecido da vítima dá uma camada

a mais de violência e de complexidade ao crime cometido: a denúncia se torna um

desafio ainda maior para as vítimas.

O dado global choca, aproximadamente 600 mil estupros no Brasil (de 2012 a

2021). Contudo, olhando para o estado de São Paulo temos em 10 anos 112 mil

registros de estupros (sozinho o estado tem 20% de todos os casos brasileiros), dos

quais 74% são apontados como estupro de vulnerável. São Paulo não disponibiliza um

dado mais apurado, caracterizando a vítima e o criminoso, no entanto dispomos de

dados nacionais sobre o fenômeno, crianças e adolescentes representam a maioria das

vítimas também. Em termos de distribuição etária, o grupo que contra o maior

percentual é o de 10 a 13 anos, seguido das crianças de 5 a 9 anos. No Brasil, 9 em cada

10 vítimas de estupro tinham no máximo 29 anos quando sofreram a violência sexual,

mas com forte concentração na infância. Se considerarmos as crianças e adolescentes

entre 0 e 13 anos, que automaticamente são enquadradas como vulneráveis, temos

61,3% de todas as vítimas, com forte concentração na faixa de 5 a 9 anos, que

representa 19,1% das vítimas, e de 10 a 13 anos, que reúne 31,7% dos registros.

A Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) com 39

municípios (o estado tem 645) e uma população de aproximadamente 2,5 milhões de

habitantes (5,7% da população do estado) concentra 6% de todo Estupro registrado no

estado na última década (2012-2021), com a mesma concentração para estupro de

vulnerável. Apesar das concentrações serem parecidas, a Região tem uma centralização

muito maior nos registros de estupros de vulneráveis que o estado, chegando

aproximadamente em 76%. Pindamonhangaba compilou nos últimos 10 anos 7% de


todos os estupros da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte, e desse

montante 75% foram apresentados como estupro de vulnerável. Trazendo os dados para

o ano de 2023, o portal da Secretaria da Segurança Pública do estado disponibiliza os

registros sobre essa natureza de ocorrência até o mês de maio, e não temos nada de

mudança. A Região, em 5 meses, já concentra 6% de todo os estupros do estado e Pinda

5% de todos os estupros da Região. Com maior número de Boletins registrados como de

vulnerável para o estado, RMVPLN e Pinda, 76%, 74% e 67% respectivamente.

Os dados indicam ainda que a violência sexual no Brasil é, marcadamente, uma

violência perpetrada contra crianças e no início da adolescência, e os abusadores são

pessoas conhecidas e de confiança das vítimas, uma violência que ocorre no seio

familiar e cujos autores são parentes. Dentre os impactos na vida de sobreviventes, os

efeitos mais visíveis e imediatos são a gravidez indesejada, lesões físicas e doenças

sexualmente transmissíveis. Efeitos menos visíveis, mas bem documentados pela

literatura, mostram que vítimas da violência sexual com frequência sofrem de transtorno

de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, transtornos alimentares,

distúrbios sexuais e do humor, maior tendência ao uso ou abuso de álcool, drogas e

outras substâncias, comprometimento da satisfação com a vida, com o corpo, com a

atividade sexual e com relacionamentos interpessoais, bem como risco de suicídio.


 Assessor de Coordenador na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

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