Ítalo do Couto Mantovani*
Atualmente, cerca de 40 países já
autorizaram a maconha para fins terapêuticos — inclusive os Estados Unidos,
nação que liderou o combate à planta no século 20. Por lá, onde cada unidade
federativa tem a liberdade de formular as próprias leis, 33 dos 50 estados
americanos mais o distrito federal já regulamentaram os remédios à base de
Cannabis. E, com a liberação para uso. E, com a liberação para uso medicinal (e
algumas vezes recreativo) no mundo, começa a surgir um novo e crescente mercado
de negócios ligados à erva, que atrai profissionais e empreendedores.
Essa mudança é um reconhecimento
fundamental do fracasso da guerra às drogas e vem acompanhada de outra
igualmente fundamental: a reparação a comunidades desproporcionalmente
atingidas pela política de repressão generalizada, como pessoas negras e
latinas. As informações são parte do Monitor de Política de Drogas nas
Américas, projeto do Instituto Igarapé que acompanha as reformas em
políticas de drogas no continente.
As estratégias pioneiras mapeadas
são exemplo para países que ainda apostam em uma abordagem anticientífica, como
o Brasil, onde a guerra às drogas afeta sobremaneira grupos vulneráveis, a
exemplo da criminalização de usuários e da marginalização de jovens negros de
periferias.
Nos últimos 12 meses, seis estados
norte-americanos regularam o mercado de cannabis
para uso adulto: Nova York, Nova Jersey, Montana, Virginia, Vermont e Novo
México. Desses, cinco incluíram a extinção automática dos registros criminais
de pequenos delitos relacionados à posse de maconha, retroagindo os efeitos da
nova legislação em benefício dos réus. Apenas Montana determinou que essa
extinção seja provocada, levando a uma análise caso a caso. Todos incorporaram
de alguma maneira a necessidade de reparação e reconhecimento de comunidades
desproporcionalmente atingidas. Nova York determinou que 50% das licenças para
negócios de cannabis sejam concedidas
a microempresas e/ou candidatos que se enquadrem em critérios de promoção de
equidade social, como raça e situação socioeconômica. Além disso, 40% dos
impostos obtidos do mercado legal de cannabis
devem ser revertidos em investimentos para essas comunidades.
“A produção legal de cannabis é cara. Além de todas as taxas
e impostos envolvidos, em geral, ela requer uma grande capacidade de
investimento inicial. Grandes benefícios financeiros dos novos mercados não
estavam chegando àqueles que durante anos pagaram o preço da proibição”, avalia
Carolina Taboada, pesquisadora do Instituto Igarapé. “Na Virginia, por exemplo,
entre 2010 e 2019, pessoas negras foram condenadas por posse de maconha em
proporção quatro vezes superior às pessoas brancas”, alerta.
Illinois foi o 11º estado a regular
o mercado da cannabis para uso adulto, em junho de 2019, mas o primeiro a
incorporar a necessidade de ressarcir as comunidades negras e latinas pelo
sofrimento da guerra às drogas em sua legislação, destinando 25% da arrecadação
de impostos a projetos nessas comunidades.
No Brasil, o uso de drogas continua
criminalizado e não há critérios objetivos para diferenciar usuários e
traficantes. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, 20% das
incidências que levam pessoas às prisões são relacionadas à Lei de Drogas.
Entre as mulheres, o percentual chega a 50%. O perfil majoritário da população
carcerária é de jovens, negros, com baixa escolaridade. Levantamentos já
indicaram que pessoas negras são mais condenadas por tráfico e com menos drogas. Além disso, essa
população é afetada sobremaneira por prisões em flagrante e pela violência do Estado.
Só em 2018 o mercado global de
maconha movimentou 18 bilhões de dólares (94 bilhões de reais). De acordo com
um relatório da consultoria New Frontier Data, feito em parceria com a The
Green Hub, aceleradora brasileira de startups de Cannabis, apenas no Brasil
essa indústria pode movimentar outros 4,6 bilhões de reais nos próximos três
anos. No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberou,
em dezembro de 2019, a venda de produtos à base de cannabis nas farmácias. A
comercialização só foi autorizada para produtos prontos que possuem uma
quantidade específica de THC (tetrahidrocanabinol) e CBD (canabidiol).
A Anvisa não informou quanto esses medicamentos movimentaram em 2020, mas, até
abril deste ano, apenas 35.222 pacientes possuíam autorização para o uso; o que
representa aproximadamente 0,017% da população brasileira.
v
Assessor de Coordenador
na Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP
Formado em Gestão de Políticas
Públicas pela USP
Mestre em Gestão e Desenvolvimento
Regional
Professor de Cursinho
pré-vestibular em São Paulo
Contato: italocmantovani@gmail.com
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