O Brasil foi o
maior território escravista do hemisfério ocidental, por quase quatro séculos.
Recebeu, sozinho, aproximadamente 5 milhões de africanos, 40% do total de 12, 5
milhões. Como resultado, é atualmente o segundo país de maior população negra
ou de origem africana no mundo. De acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) pretos e pardos somam hoje 115 milhões de
pessoas, inferior apenas à população da Nigéria com 150 milhões. A Escravidão é
um fator definidor e importante da nossa identidade nacional. Estudá-la ajuda a
explicar nosso passado, e principalmente nosso presente.
Recentemente a notícia de que um adolescente
de 17 anos, furtou barras de chocolate de
um supermercado e, logo em seguida,
acabou levado para as dependências do estabelecimento
por seguranças que o
despiram, amordaçaram e o torturam com chicotadas viralizou nas
redes sociais.
Atos de crueldade que acontecem todos os dias no território brasileiro.
Seja em
supermercados, em lojas, casas de shows e até mesmo delegacias. Na obra do
baiano
Jorge Amado, Capitães da Areia de 1937, retrata a cena em que um dos
garotos que
vivem abandonados pela sociedade é capturado e torturado para dar a
localização de outros meninos, se nega e é colocado em solitária. Não venho
defender ou não menores infratores. Venho mostrar que o sistema de tortura está
enraizado em nossa sociedade desde os tempos do Brasil Colônia. E a população
negra é a que mais sai prejudicada em toda essas ações.
Alguns autores afirmam que a
abolição da escravatura no país em 1888 coloca fim a um sistema já em
decadência, mas não há nada que dê aos negros oportunidade de mobilidade social
ou até mesmo melhoria de vida. Nunca tiveram acesso as terras, bons empregos,
moradias decentes, educação, assistência à saúde de qualidade e outras
oportunidades disponíveis para brancos. Há autores que afirmam até que se a
Família Real tivesse “indenizado” os senhores de terra pela “perda” dos escravos
viveríamos ainda em um sistema monárquico, mas sem isso, houve o apoio para a
derrubada de D. Pedro II e toda sua família.
Uma das principais facetas da
desigualdade racial vem pela vertente da concentração de homicídios na
população negra. Pelo Atlas da Violência 2018, em 2016, por exemplo, a taxa de
homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0%
contra 40,2%). Comparando uma década (2006-2016), a taxa de homicídios de
negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa de não negros teve uma redução
de 6,8%, separando por gênero o número de homicídios de mulheres negras foi de
71% superior à de mulheres não negras. O Estado de Alagoas em 2016 teve a
terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%), mas a menor taxa de homicídios
de não negros do Brasil (4,1%). Por outro lado, nosso estado, São Paulo,
apresentou a menor taxa de homicídios de negros em todo Brasil (13,5%). Os
dados trazidos vêm apenas complementar e atualizar o cenário da desigualdade
racial em termos de violência em nosso país.
Em uma comparação rústica, colocando
os 519 anos do país em 24 horas, o Brasil teria 18h de escravidão e apenas 1h40
de democracia. Fica claro que a desigualdade racial é expressa de forma
cristalina. A violência letal e a falta de políticas públicas asseguram esse
abismo. Para se ter uma ideia, a participação dos negros nos 10% mais pobres do
Brasil é de 78%, enquanto na faixa dos 1% maios ricos da população, é de apenas
17%. A taxa de 12 anos de estudos ou mais tem 22% da população branca e apenas
9,4%. Um homem negro tem oito vezes mais chances de ser vítima de homicídios no
Brasil do que um homem branco.
Essas cifras são o alto preço que o
Brasil paga ainda hoje pelo abandono de sua população negra à própria sorte na
época da Lei Áurea. Joaquim Nabuco, abolicionista defendia que só teríamos uma
sociedade totalmente democrática não apenas dando a liberdade aos negros, mas
incorporá-los à sociedade como cidadãos plenos. Para que possamos reduzir a
violência letal no país, é necessário que esses dados sejam levados em
consideração e alvo de profunda reflexão. É com base em evidências como essas
que políticas eficientes de prevenção da violência devem ser desenhadas e
focalizadas, garantindo o efetivo direito à vida e à segurança da população
negra no Brasil.
* Assessor Técnico na
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo
Formado em Gestão
de Políticas Públicas Pela USP
Mestrando em Gestão
e Desenvolvimento Regional
Professor do
Cursinho Popular em São Paulo
Contatos: idcmantovani@sp.gov..br
Nenhum comentário:
Postar um comentário