Antes da sessão do Supremo Tribunal Federal de
quarta-feira entendia-se, com supedâneo na “vontade
soberana” do poder constituinte originário, que “ninguém seria considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O princípio da presunção de inocência, era o que
se tinha, como ensina Renato Brasileiro de Lima, consistiria no “direito de não ser declarado culpado senão
mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal,
em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para
sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas
apresentadas pela acusação (contraditório) ”.
Acontece, entretanto, que o Supremo Tribunal
Federal, de forma inovadora e à revelia da Constituição Federal de 1988,
entendeu ser possível [e constitucional] que, depois de decisões de
segundo grau que confirmem condenações criminais, a pena de prisão já possa ser
executada.
Sem dúvida alguma, tal posicionamento, advindo do
Guardião da Constituição [pelo menos em tese],
vilipendia abruptamente essa garantia conquistada a duras penas, tão cara à
própria sociedade.
Não obstante o entendimento esposado pelo Supremo
Tribunal Federal, atendo-se à localização topográfica do mencionado preceito [art.
5, LVII, da CF], é forçoso concluir que se trata de uma cláusula pétrea, e
que, portanto, não poderia sofrer modificações prejudiciais, de cunho
restritivo. Isto pelo menos é o que se extrai do art. 60,
§ 4, IV, da Constituição Federal.
Com efeito, se o poder constituinte originário
consagrou o princípio da presunção de inocência [ou, como prefere alguns, da
presunção de não culpa] como sendo uma garantia fundamental, não poderia
haver modificação sequer pelo processo de emenda à Constituição [poder
constituinte derivado reformador], que se dirá por simples mudança de
interpretação!
A bem da verdade, o que se viu na decisão do
Supremo Tribunal Federal, no bojo do HC 126.292, é o que os constitucionalistas
há muito denominam de “mutação constitucional”. Esse fenômeno
constitucional, nas palavras de UadiLammêgoBulos, nada mais é do que “o
processo informal de mudança das constituições que atribui novos sentidos aos
seus preceitos, significados e conteúdos dantes não contemplados”.
De notar-se, é bem verdade, que a mutação
constitucional é intrínseca a todo Estado Democrático de Direito, e visa,
precipuamente, adequar o texto da Carta Política à realidade social, por um processo
informal, buscando, sempre, a evolução do Direito como um organismo vivo, um
todo orgânico.
Todavia, no caso da decisão levada a efeito pela
Corte Maior, na paradigmática data de 17 de fevereiro de 2016, por mais que se
procure, não se achará evolução alguma, senão verdadeiro retrocesso; que, de
plano, se afigura inconstitucional, pois que, de forma arbitrária e
insustentável, minorou, diminuiu, fragilizou uma cláusula pétrea.
Ora, tendo Alexandre Morais da Rosa classificado
a mudança de entendimento do STF como um “retumbante erro histórico”, ou esse
posicionamento é revisto urgentemente, haja vista a patente
inconstitucionalidade que o macula, ou as densas lições doutrinárias e mesmo
jurisprudenciais cairão no ostracismo, sendo lembradas somente nos manuais de
Direito Processual Penal cuja atualização tenha se dado antes da emblemática
data de 17/02/2016.
Por fim, consigne-se que errou o STF, porquanto,
tendo em vista sua condição de criatura – guardião da Constituição –, jamais poderia ir de
encontro à vontade do criador – poder constituinte originário.
OAB/SP
222.162
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