Ítalo Mantovani*
Uma pesquisa
mais apurada na internet, em específico, no Banco de Dados do Comércio
Transatlântico de Escravos, mantido pela Universidade Emory (Estados Unidos).
Percebemos que entre os anos de 1502 e 1866, 11,2 milhões de africanos
sobreviveram à terrível travessia oceânica e chagaram como escravos ao Novo
Mundo. Dos 11,2 milhões de africanos, apenas 450 mil desembarcaram nos Estados
Unidos e para o Brasil foram 4,8 milhões, isto é, em 364 anos nosso país concentrou
mais de 43% do comércio de escravos para a América.
Oficialmente, a
escravidão acabou em 188, mas o Brasil jamais se empenhou, de fato, em resolver
“o problema do negro” segundo o Nina Rodrigues. Liberdade em nosso país nunca
significou, para ex-escravos e seus descendentes oportunidade de mobilidade
social ou melhoria de vida. Pessoas que nunca tiveram acesso a terras, bons
empregos, moradias decentes, educação, assistência, segurança e outras
oportunidades disponíveis para os brancos.
Dados mais atuais
mostram que negros e pardos (inclui mulatos e uma ampla gama de mestiços)
representam 54% da população brasileira; com 78% de participação entre os 10%
mais pobres, por outro lado, na faixa de 1% mais rico essa proporção inverte-se
e chega apenas a 17,8% que são descendentes de africanos. Outro grande exemplo,
do senso comum, é falar que é só estudar que alcança seus objetivos, mas de
acordo com dados oficiais enquanto 22,2% da população branca têm 12 anos ou
mais de estudo, a taxa é de 9,4% para população negra. O índice de
analfabetismo entre negros em 2016 era de 9,9%, mais que o dobro do índice
entre os brancos. Isso acarreta o desemprego que chegou a 13,6% para a
população negra e nem 10% para os brancos.
Na Segurança
Pública o abismo é das mesmas proporções. Um homem negro tem oito vezes mais
chances de ser vítima de homicídios no Brasil que um homem branco. Representaram
75,7% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídios por 100 mil
habitantes de 37,8. Comparativamente, entre os não negros (soma de brancos,
amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9, o que significa que, para cada
indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos. Da mesma forma, as
mulheres negras representaram 68% do total das mulheres assassinadas no Brasil,
com uma taxa de mortalidade por 100 mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando
comparada à das mulheres não negras.
Este cenário de
aprofundamento das desigualdades raciais nos indicadores sociais da violência
fica mais evidente quando constatamos que a redução de 12% da taxa de
homicídios ocorrida entre 2017 e 2018 se concentrou mais entre a população não
negra do que na população negra. E mais de 60% da população carcerária é negra.
Do outro lado,
nossos policiais também sofrem com essa criminalidade. Dois a cada 3 dos 172
policias assassinados em 2019 eram negros. Pardos e pretos representam 65,1%
dos policias militares e civis vítimas de crimes violentos letais intencionais,
quando estavam em serviço ou em período de folga. Os dados são do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública 2020, produzido pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Brancos são a maioria (53%) dos integrantes da polícia
militar e civil. Contudo, representam 1/3 dos assassinatos de policiais.
Alguns dos
pontos principais que trazem a tona o motivo dos policiais estarem morrendo é de
que, são, em geral, de nível operacional e são recrutados no mesmo segmento
socioeconômico que concentra o maior número de negros. Então, policiais jovens
que estão sendo mortos fazem parte do mesmo segmento socioeconômico e
demográfico, que, em geral, mora nas periferias. Isto é, não temos uma política
pública para nossos policiais também, apenas o colocamos em prontidão, para
servir a população, mas não criamos condições necessárias para que todo seu
ciclo de desvalorização, durante a vida, mude com a entrada na corporação.
Essas cifras são
o alto preço que o Brasil paga ainda hoje pelo abandono de sua população negra
à própria sorte na época da Lei Áurea. Para Joaquim Nabuco, abolicionista
pernambucano do século XIX, os brasileiros continuam condenados a permanecer no
atraso enquanto não resolverem de forma satisfatória a herança escravocrata, ou
seja, não basta só à liberdade, precisamos incorporar a sociedade como cidadãos
de pleno direito. Enquanto isso não acontecer, iremos continuar construindo e
sustentando inúmeros mitos relacionados à história escravocrata.
v
Assessor de Coordenador na Secretaria
da Segurança Pública do Estado de SP
Formado em Gestão de Políticas
Públicas pela USP
Mestre em Gestão e
Desenvolvimento Regional
Professor de Cursinho
pré-vestibular em São Paulo
Contato:
italocmantovani@gmail.com